domingo, 28 de junho de 2015

Saudação a Juçara Valverde


Quando anunciamos os nomes dos primeiros acadêmicos, alguns nos questionaram: mas onde estão as mulheres? Até o momento somos apenas 5 homens num universo de 40 cadeiras, e certamente a presença feminina muito em breve estará contribuindo para compor o quadro principal da Academia. No entanto, muitas já têm seus nomes registrados como de suma importância para a fundação desta entidade, pois são, como nós, sócias fundadoras. A presença feminina é um equilíbrio fundamental na sociedade. Afinal, a humanidade é como um pássaro: uma asa é o homem, e a outra asa é a mulher. Ambas as asas devem ter igual oportunidade, devem ser fortes e ativas, devem trabalhar em conjunto para que o voo aconteça.

É com imensa satisfação que recebemos agora em nosso quadro de sócios beneméritos uma mulher, uma poetisa, médica e grande incentivadora da literatura em nosso país, a gaúcha Juçara Valverde. Sua história está presente também em Araruama, quando foi uma das incentivadoras do Sarau AraruAma Poesia, dirigido pelo amigo Cid Magioli, participando assim daquela semente que veio germinar hoje na Academia Araruamense de Letras.

Quando a ela solicitei seu currículo, este veio acompanhado de um poema. O melhor cartão de visita de um escritor é a sua obra. E assim, não posso deixar de fazer essa saudação sem citar um de seus poemas, que mostra a força da esperança,  e desperta para questões tão importantes hoje em nossa sociedade:

MARIA FIRMINA DOS REIS, REGISTRO DE ESPERANÇA

Juçara Valverde

De quantas Marias precisaríamos hoje
para libertar a mulher  brasileira
do cajado da violência urbana?
De quantas Firminas precisaríamos agora
para resgatar uma educação sem fronteiras
igualitária e solidária?
De quantos dos Reis necessitaríamos ainda
para vencer a fome cultural
que aproxima os humanos e supera qualquer barreira?
Não sei
mas seu exemplo
para mim é inspiração.

O poema certamente é uma inspiração para todos nós, homens e mulheres, e mostra, em poucos versos, a sensibilidade de sua autora. Apenas para situar os presentes no contexto histórico a que se refere o poema, Maria Firmina dos Reis, que dá título ao poema, era maranhense, negra e escreveu em 1859 o romance Úrsula, considerado o primeiro romance abolicionista do Brasil e um dos primeiros escritos produzidos por uma mulher brasileira.


Juçara, seja bem vinda como benemérita da Academia Araruamense de Letras. Que possamos crescer juntos, trabalhar em harmonia em favor da literatura, do conhecimento, da fraternidade entre os homens.

Discurso de Posse na AARALETRAS

Ao ser empossado na Cadeira nº 5 da Academia Araruamense de Letras e na vice-presidência deste sodalício, gostaria de prestar homenagem ao patrono desta cadeira, o escritor João Guimarães Rosa, que nesta data, 27 de junho, estaria comemorando 107 anos de nascimento, citando uma passagem de seus escritos:

"Quando escrevo, repito o que já vivi antes.
E para estas duas vidas, um léxico só não é suficiente.
Em outras palavras, gostaria de ser um crocodilo
vivendo no rio São Francisco. Gostaria de ser
um crocodilo porque amo os grandes rios,
pois são profundos como a alma de um homem.
Na superfície são muito vivazes e claros,
mas nas profundezas são tranqüilos e escuros
como o sofrimento dos homens."

Esse texto é importante para que possamos refletir sobre nós mesmos. E a literatura tem esse caráter libertador: ela nos revela muitas vezes quem nós somos verdadeiramente. Nós que escrevemos temos isso: uma convivência constante com a alegria e o sofrimento. E é da convivência desses contrários que nasce toda obra. Assim também a vida de nós todos. Quando aprendemos a lidar com os maus e os bons momentos, crescemos em todos os campos: no individual, no social, no espiritual.

Fazer parte de uma Academia não é apenas um título, um rótulo, mas a oportunidade que temos de desenvolver alguns princípios tão caros hoje em nossa sociedade: a solidariedade, a sensibilidade, a fraternidade... e muitas outras “idades” que são inerentes ao ser humano e que precisam ser cultivadas.


Agradeço aos confrades e aos membros fundadores por esta oportunidade. Aos meus pais que me legaram não só o caminho da educação e dos estudos, mas sobretudo o conhecimento prático sobre o amor. A Deus, que é mais meu amigo do que eu sou de mim mesmo. E dentro deste espírito de união que deve estar presente não só na Academia, mas em todo lugar onde os homens se reúnam para discutir seus destinos, encerro citando uma frase de Bahá’u’lláh que deve servir de inspiração nesses tempos em que assistimos a tantas demonstrações de violência, desrespeito e intolerância: “A terra é um só país, e os seres humanos seus cidadãos”.

quarta-feira, 25 de março de 2015

Cartas do tempo da ditadura

As recentes manifestações populares acontecidas no Brasil trouxeram à tona uma série de questões sobre os rumos do país no campo político, social, econômico e cultural. Por um lado, surge um clamor por justiça, pelo combate à corrupção, que é significativo frente a tantas evidências que vêm surgindo nos noticiários. Por outro, uma massa de descontentes com as ações do governo federal faz apologia a medidas austeras, que vão desde o afastamento da presidenta por vias democráticas (ainda que improvável o impeachment) até a sugestão alucinatória de uma intervenção militar. Digo alucinatória, pois a atitude reverbera muito mais um recalque coletivo de um segmento social do que propriamente um conhecimento da realidade histórica. Para um país tão jovem e cuja vivência democrática é pontual, surgindo, sendo abafada, ressurgindo e sendo reprimida ao longo de sua história, propostas golpistas são um risco para as conquistas de liberdade dos últimos 30 anos (inclusive a ampla divulgação de casos de corrupção e sua investigação, o que não era uma prática comum até então).

Sintomático que as manifestações aconteçam às vésperas da data que marcou a entrada do país nos anos de chumbo. A “intervenção militar” de 31 de março de 1964 deixou marcas profundas no contexto geral da construção de nossa nacionalidade, num processo de exclusão que legitimava a violência em favor de uma causa que tinha por base o combate ao fantasma do Comunismo. Hoje estão ressuscitando fantasmas, sob o pretexto de combater a corrupção, como se esta nunca tivesse existido no país. Necessário se faz o combate, mas é preciso que este se aprofunde e mostre as reais raízes do problema, que envolve, entre outras coisas, a própria atitude dos cidadãos quando confrontados com situações simples em seu dia a dia e que sucumbem a atos corruptíveis (avançar o sinal vermelho, trafegar pelo acostamento, cometer pequenos delitos como se fossem coisas normais, e assim por diante).

Simbolismos à parte, é inegável a necessidade de abertura ao diálogo e a uma compreensão mais ampla do momento pelo qual passa o país. E um dos bons caminhos para isso passa pela avaliação do contexto em que o país se viu mergulhado no período da ditadura militar que perdurou até os anos 80.
Lançado recentemente, o livro “Cartas de esperança em tempos de ditadura: Frei Betto e Leonardo Boff escrevem a Alceu Amoroso Lima” (Petrópolis, Vozes, 2015) é um documento fundamental para se conhecer os bastidores do regime instalado no país na segunda metade dos anos 60 do ponto de vista de quem sofreu na carne as torturas que eram praticadas. Com organização do professor Leandro Garcia Rodrigues, o volume reúne 22 cartas trocadas entre Frei Betto (preso por ser identificado como apoiador das ações subversivas contra o governo) e o escritor Alceu Amoroso Lima entre 1967 e 1981, além de textos deste e correspondência trocada com o teólogo Leonardo Boff.

O livro vai além da simples troca de correspondência entre dois amigos. Antes, se torna um verdadeiro apelo à justiça social e traz reflexões amplas sobre liberdade e direitos humanos. A situação beirava o surrealismo. Padres chegaram a ser presos e torturados porque promoveram reuniões com seus paroquianos para esclarecer sobre o FGTS.  A partir da troca epistolar, Alceu Amoroso Lima chegou a escrever várias crônicas para o Jornal do Brasil em que fazia o alerta sobre o que vinha acontecendo nos porões da ditadura.

Como bem esclarece Leandro Garcia Rodrigues, cuja introdução ao livro é uma aula da história recente do país, “o estudo histórico utilizando tais fontes — cartas, diários, manuscritos pessoais, anotações, etc. — mostra-se como um campo de investigação realmente instigante e sempre aberto a novidades e reformulações da própria narrativa histórica”.

Em uma das primeiras cartas, Frei Betto relata as torturas sofridas por Frei Tito e descortina o grau de sadismo que tomava conta dos militares, que não tinham o menor pudor em causar sofrimentos físicos em religiosos, fossem eles jovens ou idosos:

“Ontem soubemos que ele foi novamente torturado no ‘pau de arara’ com choques elétricos e que havia ‘tentado o suicídio’ cortando os pulsos. (...) Não deixaram que Frei Tito recebesse qualquer visita enquanto não desaparecessem as marcas da tortura. É o costume. Nós que conhecemos bem a ele e à Polícia do Exército, sabemos que frei Tito jamais seria capaz de um gesto desesperado. É jovem, tem grande força física e moral. Certamente tentaram ‘suicidá-lo’, como já ocorreu a outros e então bateram nele até arrancar sangue. Este é um caso entre centenas. É o retrato do regime em que vivemos. Nem senhores de idade escapam à tortura” (p 73-75).


Em tempos de crise e de transformações, faz bem buscar um aprofundamento nas próprias raízes da formação cultural de nossa população. Temos um histórico de subserviência e de identificação com a Casa Grande, que compromete a visão global das relações de poder que nos envolvem. Conhecer o papel que exercemos hoje na sociedade exige muito mais racionalidade do que exacerbações emotivas. Por isso, é preciso estar atento ao momento presente, sem perder o foco das experiências já vividas em nosso passado. 

Camilo Mota é psicanalista, escritor, editor do Jornal Poiésis (www.camilomota.com.br)

domingo, 21 de outubro de 2012

Entre a utopia e o pessimismo



Uma leitura de “O grande segredo de Jesus” de Juan Arias


Vivemos dias em que os paradigmas estão sendo colocados à prova. No seio da Ciência, há clamores convocando a uma revisão da preponderância do materialismo em detrimento da espiritualidade, como as teorias propostas por Amit Goswami. De outro lado, ateístas como Richard Dawkins fazem campanhas quase religiosas para provarem suas convicções da inexistência de um Deus criado e recriado ao longo das eras pela humanidade. Em meio a essa crise, assistimos estarrecidos à desconstrução do velho mundo: temas que pareciam sepultados emergem com nova força (nacionalismo e conflitos étnicos), a estruturação da família passa por uma transformação cujas consequências só poderão ser avaliadas daqui a muito tempo, a violência segue numa escala crescente sob o foco das mídias que aproveitam para explorar cada vez mais os nossos horrores pessoais (afinal, quem em sã consciência gosta de admitir que é mau?).

Diante de um quadro tão tenebroso, como permanecer fiel a uma utopia e não se deixar levar pelo pessimismo em relação à raça humana? O questionamento se refaz em mim a partir da leitura do recém-lançado “O grande segredo de Jesus: uma leitura revolucionária dos Evangelhos”, de Juan Arias (Rio de Janeiro, Objetiva, 2012, trad. Cristina Cavalcanti). O autor traz na bagagem 14 anos de experiência como correspondente do jornal El País no Vaticano, acompanhando os papas Paulo VI e João Paulo II, além de ter estudado teologia na Universidade de Roma. O tema do cristianismo é recorrente em seu trabalho, tendo já lançado no Brasil os títulos “A Bíblia e seus segredos”, “Jesus, esse grande desconhecido” e “Madalena”, entre outros. Mas é sua experiência como jornalista que parece sobressair nessa verdadeira investigação sobre a real função de Jesus para a humanidade.

Baseado tanto na leitura dos Evangelhos canônicos quanto nos Gnósticos, Juan Arias nos leva a um redimensionamento do arquétipo representado por Jesus. Sem se deixar levar pelo misticismo peculiar ao tema, o autor envereda numa rede de questionamentos e análises sobre a vida do profeta, traduzindo sua mensagem em termos humanistas. A mensagem de Jesus, nesse contexto, então, é dirigida a uma humanidade que ainda não existe. Segundo Arias, a humanidade “é muito mais egoísta do que muitos mamíferos considerados inferiores e só mudará quando, paradoxalmente, deixar de ser humana” (p. 15). A contradição proposta pelo autor é aparente. E ele vai além: “Não é uma questão de melhorar a humanidade atual, especialmente nos aspectos éticos e morais, mas de uma transformação em uma nova espécie inteligente que não seja fundada nos pressupostos da violência pessoal e coletiva” (p. 16). Ainda que Juan Arias demonstre em alguns momentos seu pessimismo em relação à humanidade atual (e paradoxalmente alimentando a esperança de uma transformação da espécie humana a partir de uma mudança genética ou de um salto quântico), através de seu livro sentimo-nos motivados pela compreensão de uma mensagem cristã que permeia suas páginas no sentido mais amplo. Jesus não escreveu para o seu tempo. Terá escrito para o nosso? Para o autor, certamente que não. Será uma semente para uma raça futura. Mas nós, aqui e agora, também somos responsáveis.

Entre estas sementes estão questões fundamentais como a construção de um mundo sem violência, livre do egoísmo, pautado na solidariedade e no conhecimento.  “A misericórdia termina por se converter numa ação a favor do outro. Vai além da justiça, pois inclina a balança a favor da debilidade e do desamparo alheios com os quais nos identificamos, pois todos somos fracos e precisamos da solidariedade e do amor dos outros” (p. 51). 

“O grande segredo de Jesus” é uma leitura atual e fascinante, além de ser uma abordagem necessária que merece atenção tanto de religiosos quanto de irreligiosos, de materialistas e de espiritualistas, pois, antes de mais nada, antes dos rótulos, das máscaras e personas, somos humanos, demasiadamente humanos, para ficarmos alheios ao conhecimento. Como bem afirma Arias, “a ignorância é escuridão que cega”.  
Acredito, pois, que estejamos vivendo este intervalo entre a utopia e o pessimismo, alimentando possibilidades de uma nova espécie, livre da violência e unificada sob a luz de novos conhecimentos, que consigam harmonizar os importantes ganhos advindos do desenvolvimento científico com a significativa importância que deve ser dada à Espiritualidade. O salto quântico é bem vindo.

Camilo Mota é jornalista, editor do Jornal Poiésis, psicoterapeuta holístico, membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise Integrativa (SBPI).
 

quarta-feira, 11 de julho de 2012

O medo da castração ronda as eleições de 2012


Algumas atitudes de departamentos jurídicos de prefeituras neste período de início de campanha eleitoral têm me chamado a atenção para a manifestação de um fenômeno definido por Sigmund Freud como o complexo de castração[i]. Por temer as punições previstas na Resolução 23.370 do TSE, as assessorias de imprensa estão sendo amordaçadas. Nada, absolutamente nada, pode ser divulgado, tendo em vista a iminente multa a ser aplicada (a ansiedade provocada pelo medo leva a uma paralisia de todo o sistema, através de um mecanismo de anulação do desejo). A Justiça passa a ser vista como o pai a ser temido e, numa atitude regressiva, os atores do jogo político, ao invés de procurar compreender melhor o seu próprio papel, acabam por renunciar a si mesmos , numa atitude de submissão neurótica.

Toda a complexidade individual está intimamente relacionada com o todo representado pela sociedade e sua cultura. Conforme aponta Jorge Ponciano Ribeiro[ii], “o grupo social é o responsável pela saúde mental e pela neurose de seus indivíduos, porque o conflito, na realidade, se origina do confronto entre os impulsos instintivos do indivíduo e os tabus culturais de seu grupo”.  Dessa forma, é perfeitamente compreensível como a sociedade está se moldando através do medo e deixando de agir sob o temor da punição.

O cenário político em análise aqui é restrito a algumas cidades da Região dos Lagos, no Estado do Rio, mas pode servir de referência a outros contextos do interior do país, dada a similaridade de algumas ações inscritas no inconsciente coletivo.

Retomando a questão jornalística, a própria lei citada deixa claro que a divulgação de publicidade (ou matérias jornalísticas) “deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos”. Devido ao medo, as palavras “educativo, informativo ou de orientação social” não foram lidas de acordo com seu real significado (ficaram oculta da consciência), tendo os intérpretes fixado sua atenção somente no final do texto (“promoção pessoal”), restringindo toda e qualquer publicidade a uma forma de promover pessoas e não como meio de transmissão de  informações de importância coletiva. Uma das assessorias chegou a encaminhar uma mensagem com a programação de uma festa junina, pedindo aos jornalistas que não a publiquem em seus jornais. Ou seja: a população não pode ser informada de um acontecimento público, porque a Prefeitura que promove o evento não quer ser punida (mesmo que a punição aqui seja infundada, baseada somente no medo).

O medo é um fenômeno tanto individual quanto social e se espalha de forma a ser algo paralisante, embotando mesmo a consciência humana, repercutindo em toda a comunidade. Segundo Edward Bach[iii], o medo atua desempenhando um importante papel na intensificação da doença, compreendendo-se aqui, em minha abordagem, doença como qualquer desarmonia na totalidade da vida humana, tanto no corpo físico, psíquico ou social.

A análise feita até aqui serve para chamar a atenção para dois fatos. Primeiramente, que a sociedade e o indivíduo formam uma totalidade, e que muitas vezes fenômenos tipicamente individuais estão presentes em atos coletivos. E em segundo lugar, a necessidade de estarmos atentos a nossas atitudes sob o ponto de vista da clareza, da consciência de nossos sentimentos, emoções e reações diante do mundo, para que não nos tornemos submissos e cegos diante de adversidades ou momentos em que a dificuldade parece ser maior do que a atividade. E num momento tão importante para a história do país e, principalmente, de nossas cidades, a clareza e a consciência devem ser cultivadas de maneira mais intensa, para que não repitamos erros, façamos escolhas sensatas e sejamos, sobretudo, cidadãos comprometidos com o bem estar de toda a comunidade.

Camilo de Lélis Mendonça Mota é jornalista, psicoterapeuta holístico, e psicanalista em formação pela Sociedade Brasileira de Psicanálise Integrativa.


[i] “O menino teme a castração como realização de uma ameaça paterna em resposta às suas atividades sexuais, surgindo daí uma intensa angústia de castração”. (in: LAPLANCHE e PONTALIS. Vocabulário de Psicanálise. São Paulo, Martins Fontes, 1997, p.73)
[ii] RIBEIRO, Jorge Ponciano. Psicoterapia Grupo Analítico: teoria e técnica. São Paulo, Casa do Psicólogo, 1995, p. 11.
[iii] BACH, Edward. Os Remédios Florais do Dr. Bach. São Paulo, Pensamento, 2006.

terça-feira, 19 de junho de 2012

A Rio+20 e as catarses sociais



Entre carros e arranha-céus, no centro comercial do Rio de Janeiro, gritos, assovios e tambores são o sinal do clima vivido pela capital carioca durante a Conferência Rio+20. Aos poucos, centenas de indígenas, de várias etnias e países, tomam conta da Avenida Rio Branco. Eles passam, mas a impressão de sua passagem permanece. Naquele mesmo dia, mulheres caminharam pelo mesmo local para alertar sobre o problema da violência. Trabalhadores sem terra estiveram ali noutras horas, e estudantes e ambientalistas. A cúpula dos povos se espalhou pela cidade.

Todo esse movimento leva a algum lugar? A pergunta parece sem cabimento em meio aos idealistas e àqueles que trabalham seriamente em prol da construção de uma sociedade mais justa e que tenha do meio ambiente uma visão integrada com a realidade do desenvolvimento mundial e local. Mas é preciso ser feita, porque muitas vezes o cidadão comum, que só acompanha a vida através da televisão e não se envolve a fundo nas questões, se incomoda e não entende para que tanto barulho. No final das contas, os líderes políticos e as forças econômicas continuarão omissos e o povo gritando em vão: a imagem desse pessimismo passa pela mente de muitas pessoas. Mudar isso leva tempo.

Todo esse burburinho e essas manifestações surgem, no entanto, como uma catarse social. Certamente não é uma simples passeata ou um panelaço que promovem a mudança, mas de certa forma agem como catalisadoras. Ainda que os indígenas não obtenham o compromisso imediato com suas causas, eles se tornaram visíveis. É essa visibilidade que incomoda. Um senhor comentou comigo que se sentiu incomodado de ver o vagão do metrô lotado de indígenas quando estava indo para o trabalho. Para ele, seria melhor que aquela parcela da população permanecesse invisível.  

E várias outras questões estão vindo diariamente à tona, para além da Rio+20: a descriminalização das drogas, os direitos dos homossexuais, a violência contra a mulher. Todas essas questões estão pulsando no inconsciente da sociedade e quando vêm à luz são causa dos mais acalorados debates, muitas vezes baseados somente em julgamentos emotivos e morais. O problema das drogas é um tabu e ainda não se consegue articular no meio social sem esbarrar no conceito de que é um caso de polícia e não de saúde pública e de educação. Quando homossexuais fazem uma parada gay o objetivo não é de converter o mundo à homossexualidade, mas tornar visível uma questão que o consciente coletivo insiste em negar: o livre arbítrio na opção sexual é um direito que precisa ser respeitado, mesmo que não se concorde com ele.

A Rio+20, devido ao seu caráter global, está sendo palco para tornar muitos desses movimentos visíveis. Ao aparecerem tão claramente diante dos olhos de muitos, nem sempre parecerão bonitinhos e fofos, porque, assim como a sombra de nosso inconsciente individual, também a sombra do coletivo não tem aspecto agradável. É justamente porque estamos conseguindo enxergar esta sombra, que precisamos enfrentá-la com lucidez. A catarse é um choque de consciência, um enfrentamento necessário.  Num processo psicoterapêutico, o paciente tem sempre a sua frente o desafio de enfrentar verdades que durante muitos anos ele se negou a aceitar. No entanto, em determinado momento, esses conteúdos surgem naturalmente e é preciso maturidade para dialogar com eles, conhecer-lhes a força e incorporá-los a sua psique. Na sociedade, não é muito diferente o processo.

Camilo de Lélis Mendonça Mota é terapeuta holístico (CRT 42617), psicanalista integrativo em formação (SBPI), mestre de Reiki (www.reikiadistancia.com.br), jornalista e editor do Jornal Poiésis.

quinta-feira, 29 de março de 2012

Reflexão de fim de noite

Hoje vi uma pessoa sofrer, um pássaro cantar e um amigo morrer. Vi crianças coloridas brincando em quadros e quadras. O mundo se acabando por causa da cobiça. Gente unida em busca de esperança. Vi meus olhos se perderem fora de mim. E um santo clamar no deserto por socorro.