terça-feira, 19 de junho de 2012

A Rio+20 e as catarses sociais



Entre carros e arranha-céus, no centro comercial do Rio de Janeiro, gritos, assovios e tambores são o sinal do clima vivido pela capital carioca durante a Conferência Rio+20. Aos poucos, centenas de indígenas, de várias etnias e países, tomam conta da Avenida Rio Branco. Eles passam, mas a impressão de sua passagem permanece. Naquele mesmo dia, mulheres caminharam pelo mesmo local para alertar sobre o problema da violência. Trabalhadores sem terra estiveram ali noutras horas, e estudantes e ambientalistas. A cúpula dos povos se espalhou pela cidade.

Todo esse movimento leva a algum lugar? A pergunta parece sem cabimento em meio aos idealistas e àqueles que trabalham seriamente em prol da construção de uma sociedade mais justa e que tenha do meio ambiente uma visão integrada com a realidade do desenvolvimento mundial e local. Mas é preciso ser feita, porque muitas vezes o cidadão comum, que só acompanha a vida através da televisão e não se envolve a fundo nas questões, se incomoda e não entende para que tanto barulho. No final das contas, os líderes políticos e as forças econômicas continuarão omissos e o povo gritando em vão: a imagem desse pessimismo passa pela mente de muitas pessoas. Mudar isso leva tempo.

Todo esse burburinho e essas manifestações surgem, no entanto, como uma catarse social. Certamente não é uma simples passeata ou um panelaço que promovem a mudança, mas de certa forma agem como catalisadoras. Ainda que os indígenas não obtenham o compromisso imediato com suas causas, eles se tornaram visíveis. É essa visibilidade que incomoda. Um senhor comentou comigo que se sentiu incomodado de ver o vagão do metrô lotado de indígenas quando estava indo para o trabalho. Para ele, seria melhor que aquela parcela da população permanecesse invisível.  

E várias outras questões estão vindo diariamente à tona, para além da Rio+20: a descriminalização das drogas, os direitos dos homossexuais, a violência contra a mulher. Todas essas questões estão pulsando no inconsciente da sociedade e quando vêm à luz são causa dos mais acalorados debates, muitas vezes baseados somente em julgamentos emotivos e morais. O problema das drogas é um tabu e ainda não se consegue articular no meio social sem esbarrar no conceito de que é um caso de polícia e não de saúde pública e de educação. Quando homossexuais fazem uma parada gay o objetivo não é de converter o mundo à homossexualidade, mas tornar visível uma questão que o consciente coletivo insiste em negar: o livre arbítrio na opção sexual é um direito que precisa ser respeitado, mesmo que não se concorde com ele.

A Rio+20, devido ao seu caráter global, está sendo palco para tornar muitos desses movimentos visíveis. Ao aparecerem tão claramente diante dos olhos de muitos, nem sempre parecerão bonitinhos e fofos, porque, assim como a sombra de nosso inconsciente individual, também a sombra do coletivo não tem aspecto agradável. É justamente porque estamos conseguindo enxergar esta sombra, que precisamos enfrentá-la com lucidez. A catarse é um choque de consciência, um enfrentamento necessário.  Num processo psicoterapêutico, o paciente tem sempre a sua frente o desafio de enfrentar verdades que durante muitos anos ele se negou a aceitar. No entanto, em determinado momento, esses conteúdos surgem naturalmente e é preciso maturidade para dialogar com eles, conhecer-lhes a força e incorporá-los a sua psique. Na sociedade, não é muito diferente o processo.

Camilo de Lélis Mendonça Mota é terapeuta holístico (CRT 42617), psicanalista integrativo em formação (SBPI), mestre de Reiki (www.reikiadistancia.com.br), jornalista e editor do Jornal Poiésis.

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