quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

A arte da paz

Faltavam poucos dias para o Natal. Eu, menino de uns dez anos, estava no alto da escadaria, com um horizonte de montanhas e sonhos a minha frente. “Estou esperando para ver logo os presentes que Papai Noel deixará debaixo da minha cama”, eu disse, com olhos brilhando de esperança. O amigo, ao meu lado, fitou-me entre sério e incrédulo: “Mas, Camilo, você ainda acredita nessas coisas?!”. A doce ilusão se desfez num instante. Aquela imagem de carinho que eu nutria no símbolo projetado de minhas esperanças esvaiu-se num repente. E na minha jovem idade, ainda que eu soubesse a não existência daquele ser mítico, era ele uma âncora segura na firmeza de meu afeto, no reconhecimento do amor que me chegava na forma de variados presentes.

Os choques de realidade e ceticismo, no entanto, não apagaram o brilho de meus olhos. Se desfeito um sonho, a mente passou a buscar o sentido mais profundo acerca do Natal. O nascimento de Jesus veio a integrar, com mais vigor, meu caminho de reflexões. Amar ao próximo como a si mesmo. Fazer da paz um sentido de vida. Criar as situações em que a paz seja praticada. Não apenas em um dia no ano, mas em cada dia que se vive. Nesses tempos de hoje, em que consumir é mais importante do que conhecer, até mesmo a figura de Noel se perde no silêncio dos dias da infância. E a imagem de Jesus se confunde com dogmatismos cegos em que o medo tem mais peso que o perdão e o amor.

Esses pensamentos e memórias vêm me habitar neste dezembro, quando muitos desejam aos outros felicidades no Natal e no Ano Novo durante alguns dias e depois simplesmente voltam a se endurecer e a viver na escravidão de seus desejos. Na urgência de se construir um mundo de harmonia, que comece com nossas próprias atitudes conosco mesmo e com nossos semelhantes, acho importante reforçar que carecemos hoje de uma Arte da Paz. Que estejamos alertas para que realmente nos comportemos como cidadãos construtores de um mundo melhor, não somente na noite de Natal. Em nosso trabalho, estamos agindo motivados por inveja, ciúme e ambição, ou o reflexo de nossas ações tem como meta a melhoria do mundo à nossa volta? Afinal, trabalho é ato de louvor e gratidão, e não um mecanismo de escravização ou de suporte às guerras e intrigas. Na família, estamos tendo respeito e carinho por nossos pais, avós, irmãos, filhos? No íntimo de nós mesmos, estamos sendo coerentes com nossos corações?

Neste dezembro que já anuncia um novo ciclo daqui a alguns dias, desejo que tenhamos pensamentos melhores, que ajudemos a construir a realidade mais com atos do que com palavras, mais com palavras verazes do que com rompantes de falsa sabedoria, mais com sabedoria do que movidos pelos desejos e escravas emoções, e tudo isso com a emoção sadia do amor e da paz em nós.

*Camilo Mota é escritor, fotógrafo e jornalista, editor do Jornal Poiésis.