Vivemos dias em que os paradigmas estão sendo colocados à
prova. No seio da Ciência, há clamores convocando a uma revisão da preponderância
do materialismo em detrimento da espiritualidade, como as teorias propostas por
Amit Goswami. De outro lado, ateístas como Richard Dawkins fazem campanhas
quase religiosas para provarem suas convicções da inexistência de um Deus
criado e recriado ao longo das eras pela humanidade. Em meio a essa crise,
assistimos estarrecidos à desconstrução do velho mundo: temas que pareciam
sepultados emergem com nova força (nacionalismo e conflitos étnicos), a
estruturação da família passa por uma transformação cujas consequências só
poderão ser avaliadas daqui a muito tempo, a violência segue numa escala
crescente sob o foco das mídias que aproveitam para explorar cada vez mais os
nossos horrores pessoais (afinal, quem em sã consciência gosta de admitir que é
mau?).
Diante de um quadro tão tenebroso, como permanecer fiel a
uma utopia e não se deixar levar pelo pessimismo em relação à raça humana? O
questionamento se refaz em mim a partir da leitura do recém-lançado “O grande
segredo de Jesus: uma leitura revolucionária dos Evangelhos”, de Juan Arias (Rio
de Janeiro, Objetiva, 2012, trad. Cristina Cavalcanti). O autor traz na bagagem
14 anos de experiência como correspondente do jornal El País no Vaticano,
acompanhando os papas Paulo VI e João Paulo II, além de ter estudado teologia
na Universidade de Roma. O tema do cristianismo é recorrente em seu trabalho,
tendo já lançado no Brasil os títulos “A Bíblia e seus segredos”, “Jesus, esse
grande desconhecido” e “Madalena”, entre outros. Mas é sua experiência como
jornalista que parece sobressair nessa verdadeira investigação sobre a real
função de Jesus para a humanidade.
Baseado tanto na leitura dos Evangelhos canônicos quanto nos
Gnósticos, Juan Arias nos leva a um redimensionamento do arquétipo representado
por Jesus. Sem se deixar levar pelo misticismo peculiar ao tema, o autor
envereda numa rede de questionamentos e análises sobre a vida do profeta,
traduzindo sua mensagem em termos humanistas. A mensagem de Jesus, nesse
contexto, então, é dirigida a uma humanidade que ainda não existe. Segundo
Arias, a humanidade “é muito mais egoísta do que muitos mamíferos considerados
inferiores e só mudará quando, paradoxalmente, deixar de ser humana” (p. 15). A
contradição proposta pelo autor é aparente. E ele vai além: “Não é uma questão
de melhorar a humanidade atual, especialmente nos aspectos éticos e morais, mas
de uma transformação em uma nova espécie inteligente que não seja fundada nos
pressupostos da violência pessoal e coletiva” (p. 16). Ainda que Juan Arias
demonstre em alguns momentos seu pessimismo em relação à humanidade atual (e
paradoxalmente alimentando a esperança de uma transformação da espécie humana a
partir de uma mudança genética ou de um salto quântico), através de seu livro
sentimo-nos motivados pela compreensão de uma mensagem cristã que permeia suas
páginas no sentido mais amplo. Jesus não escreveu para o seu tempo. Terá
escrito para o nosso? Para o autor, certamente que não. Será uma semente para
uma raça futura. Mas nós, aqui e agora, também somos responsáveis.
Entre estas sementes estão questões fundamentais como a
construção de um mundo sem violência, livre do egoísmo, pautado na solidariedade
e no conhecimento. “A misericórdia
termina por se converter numa ação a favor do outro. Vai além da justiça, pois
inclina a balança a favor da debilidade e do desamparo alheios com os quais nos
identificamos, pois todos somos fracos e precisamos da solidariedade e do amor
dos outros” (p. 51).
“O grande segredo de Jesus” é uma leitura atual e
fascinante, além de ser uma abordagem necessária que merece atenção tanto de
religiosos quanto de irreligiosos, de materialistas e de espiritualistas, pois,
antes de mais nada, antes dos rótulos, das máscaras e personas, somos humanos,
demasiadamente humanos, para ficarmos alheios ao conhecimento. Como bem afirma
Arias, “a ignorância é escuridão que cega”.
Acredito, pois, que estejamos vivendo este intervalo entre a
utopia e o pessimismo, alimentando possibilidades de uma nova espécie, livre da
violência e unificada sob a luz de novos conhecimentos, que consigam harmonizar
os importantes ganhos advindos do desenvolvimento científico com a
significativa importância que deve ser dada à Espiritualidade. O salto quântico
é bem vindo.
Camilo Mota é jornalista, editor do Jornal Poiésis,
psicoterapeuta holístico, membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise
Integrativa (SBPI).
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