quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

A queda das máscaras nos contos de Victorino Aguiar


A literatura tem esse mistério de nos levar aos recantos mais profundos da personalidade humana, despertando nossa imaginação e nos levando a conhecer e a refletir melhor sobre o mundo que habitamos. Alguns autores conseguem corresponder a essa qualidade com uma linguagem tão atraente que a leitura começa e nos prende até o fim, como se a mesma já fizesse parte de nossas vidas e não pudéssemos nos afastar dela, como não nos afastamos do ar que respiramos. É nesse envolvimento entre vida e literatura que abordo Victorino Aguiar e seu livro de contos “Ladrão de mulher” (São Paulo, All Print Editora, 2010).

Nos onze contos que compõem o livro, o autor se revela um exímio contador de histórias em que o humor toca de leve os assuntos, fazendo contraposição à crítica — às vezes ácida — à tessitura social, política e humana. Victorino, em certos momentos, chega a brincar com a linguagem de maneira tão natural, que nos pega de surpresa. No conto “Provérbios”, a construção do diálogo paterno através de provérbios é um contraponto da memória e da rigidez dos costumes à realidade das coisas. Aqui, entendendo a realidade como um dolorido processo de tortura durante o regime militar. O paralelo que o autor cria entre o ditado “um raio não cai duas vezes num mesmo lugar” e o “choque elétrico” nos porões da ditadura é um dos momentos mais sublimes da presente obra. A crítica à estrutura política, aliás, é tema recorrente. Aparece em “O carismático”, “O julgamento do poeta”, “João Sem Braço” e “Frederico”. Em todos os casos, Victorino desmascara, literalmente, as personagens e as estruturas sociais que as sustentam.

A ideia da queda das máscaras parece-me o eixo central deste volume de contos. Desde a abertura, com “Uma vez Flamengo”, o que se vê é o autor construindo personagens que, à primeira vista, aparentam uma certa fortaleza, para em seguida mostrar sua fragilidade ou sua verdadeira face social. Assim, o palhaço que surge de surpresa como um assassino. Ou então o casal de “Almas gêmeas”, em que não se sabe ao certo se há uma realidade vivenciada pelo narrador ou se tudo não passa de fruto de sua imaginação. Interessante, ainda, ressaltar alguns aspectos de verdadeiro teatro do absurdo de algumas histórias, ecoando até um clima de realismo fantástico. Enfim, Victorino Aguiar domina a técnica narrativa de tal maneira que consegue ao mesmo tempo nos divertir e nos fazer pensar.

NOTA: O livro “Ladrão de Mulher”, de Victorino Aguiar, já está à venda no site da Livraria Saraiva (saraiva.com.br), no Submarino (submarino.com.br), e também na Livraria Templar em Bacaxá.

Camilo Mota é poeta e jornalista, editor do Jornal Poiésis (www.jornalpoiesis.com) e membro titular da Academia Brasileira de Poesia.

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