Algumas atitudes de departamentos jurídicos de prefeituras
neste período de início de campanha eleitoral têm me chamado a atenção para a
manifestação de um fenômeno definido por Sigmund Freud como o complexo de
castração[i]. Por
temer as punições previstas na Resolução 23.370 do TSE, as assessorias de
imprensa estão sendo amordaçadas. Nada, absolutamente nada, pode ser divulgado,
tendo em vista a iminente multa a ser aplicada (a ansiedade provocada pelo medo
leva a uma paralisia de todo o sistema, através de um mecanismo de anulação do
desejo). A Justiça passa a ser vista como o pai a ser temido e, numa atitude
regressiva, os atores do jogo político, ao invés de procurar compreender melhor
o seu próprio papel, acabam por renunciar a si mesmos , numa atitude de
submissão neurótica.
Toda a complexidade individual está intimamente relacionada
com o todo representado pela sociedade e sua cultura. Conforme aponta Jorge
Ponciano Ribeiro[ii],
“o grupo social é o responsável pela saúde mental e pela neurose de seus
indivíduos, porque o conflito, na realidade, se origina do confronto entre os
impulsos instintivos do indivíduo e os tabus culturais de seu grupo”. Dessa forma, é perfeitamente compreensível
como a sociedade está se moldando através do medo e deixando de agir sob o
temor da punição.
O cenário político em análise aqui é restrito a algumas
cidades da Região dos Lagos, no Estado do Rio, mas pode servir de referência a
outros contextos do interior do país, dada a similaridade de algumas ações
inscritas no inconsciente coletivo.
Retomando a questão jornalística, a própria lei citada deixa
claro que a divulgação de publicidade (ou matérias jornalísticas) “deverá ter
caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo
constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de
autoridades ou servidores públicos”. Devido ao medo, as palavras “educativo,
informativo ou de orientação social” não foram lidas de acordo com seu real
significado (ficaram oculta da consciência), tendo os intérpretes fixado sua
atenção somente no final do texto (“promoção pessoal”), restringindo toda e
qualquer publicidade a uma forma de promover pessoas e não como meio de
transmissão de informações de
importância coletiva. Uma das assessorias chegou a encaminhar uma mensagem com
a programação de uma festa junina, pedindo aos jornalistas que não a publiquem
em seus jornais. Ou seja: a população não pode ser informada de um
acontecimento público, porque a Prefeitura que promove o evento não quer ser
punida (mesmo que a punição aqui seja infundada, baseada somente no medo).
O medo é um fenômeno tanto individual quanto social e se
espalha de forma a ser algo paralisante, embotando mesmo a consciência humana,
repercutindo em toda a comunidade. Segundo Edward Bach[iii], o
medo atua desempenhando um importante papel na intensificação da doença,
compreendendo-se aqui, em minha abordagem, doença como qualquer desarmonia na
totalidade da vida humana, tanto no corpo físico, psíquico ou social.
A análise feita até aqui serve para chamar a atenção para
dois fatos. Primeiramente, que a sociedade e o indivíduo formam uma totalidade,
e que muitas vezes fenômenos tipicamente individuais estão presentes em atos
coletivos. E em segundo lugar, a necessidade de estarmos atentos a nossas
atitudes sob o ponto de vista da clareza, da consciência de nossos sentimentos,
emoções e reações diante do mundo, para que não nos tornemos submissos e cegos
diante de adversidades ou momentos em que a dificuldade parece ser maior do que
a atividade. E num momento tão importante para a história do país e,
principalmente, de nossas cidades, a clareza e a consciência devem ser
cultivadas de maneira mais intensa, para que não repitamos erros, façamos
escolhas sensatas e sejamos, sobretudo, cidadãos comprometidos com o bem estar
de toda a comunidade.
Camilo de Lélis
Mendonça Mota é jornalista, psicoterapeuta holístico, e psicanalista em
formação pela Sociedade Brasileira de Psicanálise Integrativa.
[i]
“O menino teme a castração como realização de uma ameaça paterna em resposta às
suas atividades sexuais, surgindo daí uma intensa angústia de castração”. (in:
LAPLANCHE e PONTALIS. Vocabulário de Psicanálise. São Paulo, Martins Fontes,
1997, p.73)
[ii]
RIBEIRO, Jorge Ponciano. Psicoterapia Grupo Analítico: teoria e técnica. São
Paulo, Casa do Psicólogo, 1995, p. 11.
[iii]
BACH, Edward. Os Remédios Florais do Dr. Bach. São Paulo, Pensamento, 2006.