Entre carros e arranha-céus, no centro comercial do Rio de
Janeiro, gritos, assovios e tambores são o sinal do clima vivido pela capital
carioca durante a Conferência Rio+20. Aos poucos, centenas de indígenas, de
várias etnias e países, tomam conta da Avenida Rio Branco. Eles passam, mas a
impressão de sua passagem permanece. Naquele mesmo dia, mulheres caminharam
pelo mesmo local para alertar sobre o problema da violência. Trabalhadores sem
terra estiveram ali noutras horas, e estudantes e ambientalistas. A cúpula dos
povos se espalhou pela cidade.
Todo esse movimento leva a algum lugar? A pergunta parece
sem cabimento em meio aos idealistas e àqueles que trabalham seriamente em prol
da construção de uma sociedade mais justa e que tenha do meio ambiente uma
visão integrada com a realidade do desenvolvimento mundial e local. Mas é
preciso ser feita, porque muitas vezes o cidadão comum, que só acompanha a vida
através da televisão e não se envolve a fundo nas questões, se incomoda e não
entende para que tanto barulho. No final das contas, os líderes políticos e as
forças econômicas continuarão omissos e o povo gritando em vão: a imagem desse
pessimismo passa pela mente de muitas pessoas. Mudar isso leva tempo.
Todo esse burburinho e essas manifestações surgem, no
entanto, como uma catarse social. Certamente não é uma simples passeata ou um
panelaço que promovem a mudança, mas de certa forma agem como catalisadoras.
Ainda que os indígenas não obtenham o compromisso imediato com suas causas,
eles se tornaram visíveis. É essa visibilidade que incomoda. Um senhor comentou
comigo que se sentiu incomodado de ver o vagão do metrô lotado de indígenas
quando estava indo para o trabalho. Para ele, seria melhor que aquela parcela
da população permanecesse invisível.
E várias outras questões estão vindo diariamente à tona,
para além da Rio+20: a descriminalização das drogas, os direitos dos
homossexuais, a violência contra a mulher. Todas essas questões estão pulsando
no inconsciente da sociedade e quando vêm à luz são causa dos mais acalorados
debates, muitas vezes baseados somente em julgamentos emotivos e morais. O
problema das drogas é um tabu e ainda não se consegue articular no meio social sem
esbarrar no conceito de que é um caso de polícia e não de saúde pública e de
educação. Quando homossexuais fazem uma parada gay o objetivo não é de
converter o mundo à homossexualidade, mas tornar visível uma questão que o
consciente coletivo insiste em negar: o livre arbítrio na opção sexual é um direito
que precisa ser respeitado, mesmo que não se concorde com ele.
A Rio+20, devido ao seu caráter global, está sendo palco
para tornar muitos desses movimentos visíveis. Ao aparecerem tão claramente
diante dos olhos de muitos, nem sempre parecerão bonitinhos e fofos, porque,
assim como a sombra de nosso inconsciente individual, também a sombra do
coletivo não tem aspecto agradável. É justamente porque estamos conseguindo
enxergar esta sombra, que precisamos enfrentá-la com lucidez. A catarse é um
choque de consciência, um enfrentamento necessário. Num processo psicoterapêutico, o paciente tem
sempre a sua frente o desafio de enfrentar verdades que durante muitos anos ele
se negou a aceitar. No entanto, em determinado momento, esses conteúdos surgem
naturalmente e é preciso maturidade para dialogar com eles, conhecer-lhes a
força e incorporá-los a sua psique. Na sociedade, não é muito diferente o
processo.
Camilo de Lélis Mendonça Mota é terapeuta holístico (CRT
42617), psicanalista integrativo em formação (SBPI), mestre de Reiki (www.reikiadistancia.com.br),
jornalista e editor do Jornal Poiésis.